Padre Café


A Padre Café é uma descida, ou subida, a partir de certo trecho. Minha avó morava no final da descida, numa casa quase de esquina. Eu morava mais para cima, na mesma calçada. As casas tinham quintais. Todas, do lado de cá da rua. Lembro-me que vivia muito na casa da avó. Quando no meu quintal, brincava sozinho e, às vezes, com meu irmão. Acho que eu ia pouco ao quintal. Ia ver os patos que tinham lá o seu laguinho. Um tanque raso seria a melhor definição. No fundo, muito mato. Penso que era por isto que eu não ia muito ao quintal. Talvez fosse um medo embutido.
Na casa da avó era diferente. Eu acompanhava minha avó até o galinheiro, dava milho às galinhas e via a retirada dos ovos postos. Era interessante ver a diferença das cascas: umas mais avermelhadas, outras mais claras. Minha avó sabia de qual galinha era cada ovo. Não sei como. Acompanhava meu avô debaixo dos pés de chuchu. Ele os colhia, limpava o solo, amarrava alguns ramos para outra direção que não a natural. Eu também não ia até o fundo da plantação. Acho que eu tinha mesmo medo do mato.
Eu gostava muito da janela da frente, do quarto ou da sala. Era dali que eu podia ver as outras crianças brincando na rua. Muitas. Elas se divertiam com bolas, com pipas, com carrinhos de rolimã. E eu desejava estar lá. Apenas hoje compreendo que era muito pequeno e que era mesmo melhor ficar dentro de casa. Eu não seria aceito pelos maiores, não saberia brincar à sua maneira, me machucaria por falta de algumas habilidades.
Um rapaz ganhava dinheiro vendendo pipas. Sua sala era repleta, até o teto, literalmente. Muitas cores, tamanhos e alguns formatos diferentes. Eu sempre queria ir até lá com meu avô, até que um dia venci pelo cansaço. Quando entrei, não sabia sequer para onde olhar. Lindas as pipas! Meu avô comprou uma das mais simples para mim. Também apenas hoje compreendo o motivo: gastar o menos possível com algo que eu nem ia usar e logo rasgaria. A rua era proibida e o quintal pequeno demais. Eu não sabia empinar. O jeito foi me levar até o campo do Grambery e lá sim, tentar levantar a pipa, levá-la ao céu azul. Tentativa frustrada. Pouco vento e meu avô também parecia não entender muito de empinar. Mas, minha vontade fora satisfeita. Eu fiquei feliz de ter a minha pipa.
O dia da semana eu não me lembro bem, mas havia feira numa das travessas da Padre Café. Descia a pé, mãos dadas à minha mãe ou avó. Eu tinha sempre que voltar com um suco na mão. Vinha numa embalagem plástica e em vários formatos: revólver, bola, boneco... Meu pai dizia que aquilo era tinta pura e que fazia mal à saúde. Não gostava quando minha mãe comprava. E toda semana era a mesma coisa:
- Comprou de novo esta porcaria? Já falei para não comprar! Isto é tinta pura! Faz mal!
Ir à feira me despertava outra vontade: a de descer um pouco mais a Padre Café e passar em frente ao quartel. Eu adorava ver os sentinelas, fardados, arma em punho, imóveis. Eu queria ser soldado. Fiquei feliz no dia em que ganhei capacete, arma, rádio comunicador e moringa do exército. Tudo de plástico. E eu sonhava com o exército, com o quartel, com a guerra, mesmo sem saber que ela, a guerra, é muito ruim para a humanidade. Achava-me forte, corajoso, valente. Esquecia o medo do mato.
O que me despertou todas estas lembranças foi uma bucha vegetal. Tem uma lá no box do meu banheiro, e eu não sei nem como foi parar lá, nem de onde veio.
Quando eu era menino tomava banho com aquilo. Minha mãe sempre dizia:
- Esfregue bem os seus joelhos com a bucha!
Eu vivia com os joelhos imundos. A bucha era usada no resto do corpo também. E eu não gostava de bucha nova, ainda recheada com algumas sementes. Esfregar aquilo na pele era dor na certa, vermelhidão depois. Depois de muito usada, não, ficava melhor, mais suave. Mas quando minha mãe comprava um pedaço novo na feira, ah, já era sofrimento antecipado:
- Ah, mãe, já vai trocar a bucha?
Eu brincava muito no chão. Na cozinha, ou na área de serviço, ou no quintal da minha avó. E vivia sujo. O negócio, então, tinha que ser assim: bucha no menino!