27 novembro, 2006

Muitas histórias


27 de novembro de 2006.

Eu coloco minha memória para funcionar mas não consigo chegar ao ponto que preciso. Questiono-me desde quando gosto de histórias. Minha mãe certamente me contava histórias e me incentivou na prática da leitura depois que fui alfabetizado. Lembro que li, por exemplo, a obra de Monteiro Lobato. Eu adorava me envolver nas fantasias do Sítio.
Além de ouvir e ler, inventei histórias. Contei muitas para os meus filhos. Pensei até em escrever algumas, as melhores, mas nunca o fiz. Pensava também em ilustrações, em capa. Imaginava mesmo um livro com meu nome como autor.
Descobri através dos dias que os idosos têm muita história para contar. Descobri como é gostoso ocupar um lugar ao seu lado e ganhar horas por ali. Falam de tudo: acontecimentos históricos, lugares, experiências, aprendizados, paqueras, namoros, casamento, crianças, atividades, lazer, coisas certas e erradas, castigos, recompensas... Falam da vida. Ponto. Melhor definição não há.
Ontem comecei a ouvir o Walter. Já tínhamos nos visto antes, mas nunca conversado.
Setenta e um anos, quatro filhos, todos homens. Viúvo que começou a namorar. Rompeu este novo relacionamento há um mês. Ela estava enchendo o saco, querendo mandar, manifestando ciúmes, implicando com algumas atividades. O Walter quer muito uma nova companheira, mas não assim. Diz que lá pelas dezenove horas começa a ficar triste. Sente-se só já que mora só. Perguntei sobre coisas que o distraiam e ele respondeu cultivar o hábito da leitura e uns filmes que aluga. Italianos são os preferidos. Não sei agora se filmes ou se música em DVD. Não quis interromper sua resposta.
Mora em algum lugar do Bexiga e conheceu o Moraes numa loja, região da Paulista. Fiquei imaginando como teria sido. Perguntarei numa próxima conversa. Entendi, porém, que se encontraram, iniciaram uma conversa, foram tomar um café, tornaram-se amigos. Jantam juntos de vez em quando, conversam, bebem um pouco. Interessante. Fiquei pensando em quem abordou quem, em como se desenvolveu o papo, em como chegaram a uma confiança mútua. Na São Paulo de hoje não se confia em ninguém. Não se sai conversando e muito menos tomando café com um desconhecido. Intrigante.
O Walter adorava a esposa. Adorava mesmo. Venerava. Expressou o sentimento de maneira muito forte, marcante, emocionante. Verdade inquestionável para quem ouve.
Os filhos cuidam dele muito bem hoje. Convidam-no a visitar-lhes. Curitiba é muito longe, porém. Cansa. Não dá para ficar indo e voltando.
O Walter foi descansar depois do almoço, das bebidas, do bolo de aniversário que não era o meu nem o dele. Não nos despedimos. Qualquer dia a gente se encontra. Provavelmente na mesma casa que nos recebeu.